Talvez com açúcar, sempre com afeto.

Aí a gente foge. Você já reparou como somos, demasiadamente perto, egoístas? Atrapalha a voz, atrapalha os olhares que não se calam. Atrapalha até o que não atrapalha. A falta de. A gente foge do que não chega - ou do que talvez chegou e não agradou. Tenho nostalgia, meu Deus. Tenho nostalgia por sentar e dizer que não se pode mais. Vou me entregar a sorte (novidade, né). Que seja doce, amém.

Último romance do velho e do moço.


Deixo tudo assim, não me importo em ver a idade em mim, ouço o que convém... Eu gosto é do gasto. Sei do incômodo e ela tem razão quando vem dizer que eu preciso sim, de todo o cuidado. E se eu fosse o primeiro a voltar pra mudar o que eu fiz, quem então agora eu seria? Ahhh, tanto faz, que o que não foi não é, eu sei que ainda vou voltar... Mas eu quem será? Deixo tudo assim, não me acanho em ver vaidade em mim, eu digo o que condiz... Eu gosto é do estrago, e eles têm razão quando vêm dizer que eu não sei medir nem tempo e nem medo... E se eu for o primeiro a prever e poder desistir do que for dar errado? Ahhh, ora, se não sou eu quem mais vai decidir o que é bom pra mim? Dispenso a previsão! Ah, se o que eu sou é também o que eu escolhi ser, aceito a condição. Vou levando assim, que o acaso é amigo do meu coração. Quando fala comigo, quando eu sei ouvir...

Em dois mil e sete o telefone não tocava.

Me lembro de pouca coisa. Era quase setembro e eu me perdia pela janela que se abria para o mundo assim como o meu coração também. É engraçado como algumas coisas acontecem sem que a gente permita, né? É... É, meu caro amigo, acendi um fogo demasiado perto e olhei para a minha própria sombra em minhas próprias pernas dobradas com uma força tão bruta que desconhecia. É interessante ver o quanto as coisas mudam de rumo. As ruas mudam de rumo, ou eu mudo de mundo e rumo que muda o mundo que muda. As coisas mudam, meu caro. Você não come um pote de nutella e fica eternamente feliz. Dias depois você se olha no espelho e se sente gordo, feio, chato. A gente enche o outro de razão mas dá é nisso, meu caro. Dá é nisso. Somos chamados de fracos e velhos. Só por dizer um 'sim, você tem razão'. Já reparou como as pessoas são egoístas e capitalistas e individualistas? Tá. Vou parar de ler o Caio Fernando Abreu. Não. Não. Vou parar de dizer o que aprendi com ele. Eu sinto, viu? Eu senti e na minha falta do que não fazer, não faço nada. Me lembro daquele ano de 2007 e daqueles morangos mofados na geladeira. Na geladeira que eu abria e fechava durante toda a noite, só porque o telefone não tocava. Nunca.

Felicidade minha se chama Juliana.



É que as palavras fugiam quando me encontrava comigo mesma. Numa manhã de terça feira, naquele lugar onde por alguns anos fora quase minha casa e que agora me é estranho e desconhecido. Ela não. Ela era eu. Aquele sorriso e aquelas lágrimas eram meus sentidos e sentimentos. Aquilo tudo fazia silêncio em meu peito. Não sabia usar palavras mas tinha muito o que dizer. Fui sem saber que iria. Fui sem planejar e planejando fiquei durante dias e mais dias. Ela diz que não tem jeito mesmo, que tudo que acontece em minha vida tem que ter algo de muito diferente e lindo. Ela seca as lágrimas, me pede para ficar mas me permite ir embora. Diz com aquele quase-último-abraço que sente saudade como sente falta das coisas que ainda estão por vir. E me dói. Me dói me ver nela. Como aquelas dores de amor que nascem sem pedir licença, mas que doem bonito. E aí ela me olha, me leva quase até a porta e diz o quanto sou. O quanto sou. O quanto sou-mos uma só.

22:15, ai.

Era para parar e recomeçar. Ela desajeitava seu cabelo de um jeito que fazia frio. O frio em seu pescoço dos cabelos que já não eram. Não eram, deixaram de ser alguma coisa bonita. Ondas douradas e brilhantes. Era eu que era. Eu em minha própria existência. Sangrando. Sangrando. Sangrando. Fazendo mais sombra do que existindo. Era para parar de parar. Era hora de recomeçar. Beber menos café e fumar menos cigarros. Mas o maço está na bolsa e o cheiro do café coado está entrando entre as leves aberturas e falhas da porta que faz um barulho. Faz um barulho porque o silêncio é intenso demais. Era para parar e se olhar. Se olhar como um único e último instante, porque depois de muito tempo escutando a mesma música que lhe deixava exausta de tanto sonhar, ela aprendia que 'pois é de Deus tudo aquilo que não se pode ver e ao amanhã a gente não diz.' Ela era pequena. E todos achavam que era grande e inteligente e madura e esperta demais. Mas quase nada sabia que o que ela sabia ela só sabia porque sabia que sabia sentir.

Apoena,

Eu espero a aula começar, meu pai no saguão, lendo o jornal. Levanto a tampa e o piano sorri, branco e vago, implorando algum som. Mas eu não sei lhe tocar, disseram meus dedos. E o piano estrondo, rancoroso da última vez que o professor deixou de tocá-lo para me. Meus dedos trêmulos tentando fá alcançar enquanto seus dedos por baixo de minha saia, tentando lá, sustenido, faz quase Sol e a partitura dizendo-lhe pausa de oito tempos! Pausa de oito tempos! Deixe-me respirar! Mas o professor desamarrando as cinco linhas do pentagrama e as amarrando em minhas mãos. Quando não pude mais, seus lábios toquei, sobre as oitavas, eu. Já reparou como o orgasmo é, silenciosamente, agudo? Implodi. Suaves estilhaços. As colcheias têm pontas. Há música dentro de mim fá sol. Meus dedos agarrados às teclas do piano. Seus dedos agarrados aos meus. Sim, meu pai, hoje tocamos a quatro mãos.

E agora?



Porque você para mim, era mais do que palavras, frases feitas, perfeitas. Era mais do que ter um bem.