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Eu espero a aula começar, meu pai no saguão, lendo o jornal. Levanto a tampa e o piano sorri, branco e vago, implorando algum som. Mas eu não sei lhe tocar, disseram meus dedos. E o piano estrondo, rancoroso da última vez que o professor deixou de tocá-lo para me. Meus dedos trêmulos tentando fá alcançar enquanto seus dedos por baixo de minha saia, tentando lá, sustenido, faz quase Sol e a partitura dizendo-lhe pausa de oito tempos! Pausa de oito tempos! Deixe-me respirar! Mas o professor desamarrando as cinco linhas do pentagrama e as amarrando em minhas mãos. Quando não pude mais, seus lábios toquei, sobre as oitavas, eu. Já reparou como o orgasmo é, silenciosamente, agudo? Implodi. Suaves estilhaços. As colcheias têm pontas. Há música dentro de mim fá sol. Meus dedos agarrados às teclas do piano. Seus dedos agarrados aos meus. Sim, meu pai, hoje tocamos a quatro mãos.

5 comentários:

Morganna disse...

músicas causam arrepios.
escritos da Joyce também. :D

Vinícius D'Ávila disse...

Uau!
muito bom

Letícia disse...

Nossa, eu me delicio com seu blog ..! Lindo de viver.


:)

juliana disse...

muito poético e infinito.

Guilherme Gonçalves Damasceno disse...

A ponta das colcheias! Imagino como deve ser.